Marli Alves Passos (2017)

Agricultora é exemplo de liderança e autonomia

Marli Alves Passos mora na comunidade Pedrinhas I, zona rural de Remanso. Além de agricultora familiar, Marli é apicultora, criadora de galinhas, caprinos, ovinos, coordenadora da Rede de Mulheres de Remanso, líder do grupo de mulheres da comunidade e ainda faz parte da diretoria do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras de Remanso (STTR), onde ocupa a secretaria de jovens e mulheres. Nascida na comunidade de Veredas das Minas, mora nas Pedrinhas I há 23 anos, quando seu esposo, Carlos Além Brito dos Passos, já falecido, comprou três hectares de terra nessa comunidade. Marli tem três filhos, Edcarlos, Jan Carlos e Luiz Carlos. Edcarlos é o único que mora fora da comunidade. Os outros dois estudam na Escola Família Agrícola (EFA) de Sobradinho.

Marli afirma que nunca gostou de cidade. Passou um ano em Petrolina, mas voltou pra comunidade porque é o lugar que ama morar. Em 2002, ingressou na Rede de Mulheres e começou a participar das ativi- dades de formação promovidas pelo SASOP, que já tinha a Rede como parceira local. A líder comunitária conta que seu esposo, já trabalhava na comunidade pela Paróquia e sempre a apoiava a participar dos encon- tros da rede. Em 2010, Marli passa a integrar a coordenação da Rede de Mulheres.

A agricultora explica que a vida antes era muito difícil porque não tinha cisterna de consumo humano, nem de produção na comunidade e as pessoas bebiam água de barreiro. As mulheres não saíam da cozinha e não podiam participar de reuniões. Quando ela começou a participar de atividades da Rede, passou por muito preconceito por ser mulher. “Sempre falo que o preconceito nunca vai acabar, nunca vai deixar de exis- tir, mas o que vale é você estar de cabeça erguida e saber que está fazendo o certo, melhorando a sua vida e da comunidade. Conto essa história com orgulho porque isso também foi a transformação dos meus filhos. Antes era o EU, agora é o NÓS.”, afirma.

Para ela, o acompanhamento do SASOP proporcionou uma grande mudança na comunidade e na sua vida. Marli aponta que os técnicos estão sempre na comunidade apoiando na apicultura, nas hortas, nas criações, em atividades com as crianças sobre alimentação saudável, com a construção de cisternas, barreiros de trincheira, viveiro de mudas e formação com os jovens e com as mulheres. Ela ainda lembra da primeira atividade que participou. “Foi um curso de criação de galinhas na comunidade de Vereda das Minas. Depois desse curso, juntamos seis mulheres que decidiram formar um grupo da comunidade. De seis, o grupo aumentou para 14, de 14 para 18 e hoje tem 22 mulheres. Fazemos um pouco de tudo: criação, horta, beneficiamento de umbu. É um incentivo para as mulheres sair do pé do fogão.”, comemora.

Das 22 mulheres, 14 são apicultoras e vendem mel em sachê para a merenda escolar, por meio do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), em Remanso. Do umbu, produzem polpa, suco, doce, geleia, compota, licor.

Marli tem uma cisterna de consumo humano e um barreiro de trincheira. Na comunidade tem ainda mais três barreiros para uso comunitário, mas, em época de longe estia- gem, a água não é suficiente e algumas famílias ainda precisam de carro-pipa. Conta que antes achava que a terra não ia dar se plantasse couve, cenoura, beterraba. Ouvia as pessoas falando que nas Pedrinhas a terra não era boa, que não dava de nada.

Só depois percebeu que não dava, porque ninguém plantava. Com a construção das cisternas e dos barreiros na comunidade e acompanhamento técnico, ela percebeu que podia ter toda a base da alimentação plantada por ela mesma. Aprendeu muita coisa desde então. A primeira mudança foi na forma de plantar sem usar agrotóxico, que melhorou a alimentação da família e diminuiu a compra de alimentos no mercado.

Participar da campanha sobre na alimentação saudável com as crianças, realizada pelo SASOP em parceria com a Actionaid, contribuiu para a reeducação alimentar na comunidade. A campanha está há alguns anos nas Pedrinhas I, promovendo atividades educativas e recreativas com as crianças e suas mães. O filho mais novo de Marli, Luiz Carlos, que está prestes a completar 18 anos, tinha oito anos de idade na época que começou a participar das atividades da campanha. Ela conta que comprava temperos prontos, salgadinhos e refrigerante para os filhos, achando que era uma coisa boa. Lembra ainda o fato de já ter vendido galinha de sua criação para comprar frango congelado, acreditando que era mais gostoso. “Hoje, quando eu quero um coentro, vou lá no meu quintal. O tomate, o pimentão, tudo. Não preciso ir à feira para comprar e ainda como sabendo que é um alimento de qualidade, sem veneno. Você saber o que está comendo é outra vida.”, diz. A alimentação dos animais também mudou. Marli e as outras mulheres da comunidade fabricam a ração que dão para os animais com a própria forragem que plantam na comunidade. Depois da última chuva, conse- guiram produzir 70 sacos de ração para estocar quando vier a próxima estiagem e ainda pretendem fazer mais.

Esses aprendizados também melhoraram a renda, já que não compra mais alimentos, nem ração no mercado. No último controle das vendas, Marli registrou 380 reais num mês em produtos variados. Fora a pensão que recebe, essa é a renda de Marli. “Se não fossem essas coisas que a gente produz e vende não seria fácil, viver e criar três filhos com um salário.”, afirma. O produto mais comercializado é o mel. Esse ano, Marli e o o grupo de mulheres venderam 500 quilos de mel em sachê para a merenda escolar do município. Ela explica que o ruim é que o grupo ainda não tem autonomia para fazer a embalagem em sachê e precisa pagar R$ 3,50 por quilo embalado, além do carro que faz o transporte. No final, os sachês levam a marca de quem embalou. “É uma coisa que dá tristeza, quando a gente bota para fazer, paga e quando chega nas esco- las os alunos não sabem que é um produto nosso, produzido pelas mulheres, porque tem a marca de quem embalou”, sinaliza. Marli diz que o município tem um local que foi construído e já tem todas as máquinas necessárias, mas, por falta de vontade política, ainda não foi disponibilizado para o uso da comunidade.

Desde muito cedo Marli aprendeu a importância de guardar sementes. Diz que quando se aprende a plantar, se aprende a guardar. Na casa dele tem semente de abóbora, melancia, feijão, milho, tudo de hortaliças, tudo guardado em garrafas plásticas. “É importante porque não vou no mercado comprar. Das poucas vezes que comprei semente, plantei e dali não nascia nada”, ressalta. Tem também sementes e um viveiro de mudas de plantas nativas, como angico, aroeira, que vão para o recaatingamento que tem sido feito por ela e pelos filhos. “Hoje sou feliz porque sei que plantei essa sementinha na comunidade”, finaliza.