INTERCÂMBIO I “A gente que é sertanejo tem que aprender a conviver com a seca que está hoje em dia”, diz Cícero da Barra

INTERCÂMBIO I "A gente que é sertanejo tem que aprender a conviver com a seca que está hoje em dia", diz Cícero da Barra

Texto e Fotos: Diego Souza/SASOP 

Com essas palavras, Seu Cícero Justiniano de Souza, conhecido como Cícero da Barra, e sua família receberam um intercâmbio com uma turma de agricultores e agricultoras familiares e integrantes da equipe técnica do SASOP. O Sítio da Barra, nome de sua propriedade, fica a 36 quilômetros da sede do município de Remanso, Semiárido Baiano. A rodada pela propriedade começou na roça, as áreas de criação de caprinos e ovinos, a captação e armazenamento de água de chuva e o quintal produtivo com cisterna de enxurrada, promovendo aprendizados e muitas trocas de experiências. 

Por meio da estocagem de água, Cícero e sua família conseguem manter a produção durante todo o ano. O agricultor conta que as práticas para convivência com o Semiárido começaram ainda com o seu pai, nas décadas de 60 e 70, quando escavavou um barreiro dentro da propriedade. Após falecimento do pai, Cícero construiu um cacimbão de tijolos num local já demarcado pelo seu pai. Este cacimbão fica num riacho temporário e é abastecido todos os anos nos períodos chuvosos e é dele que a família retirar a água, com sistema de bombeamento, para dessedentação dos animais e "molhação"da plantação de  palmas forrageiras. Com apoio de organizações locais, além de crédito e de recursos próprios, Cícero construiu também duas cisternas de 16 mil litros, uma cisterna calçadão de 52 mil litros e uma cisterna que capta água do telhado com capacidade para 72 mil litros.

A diversidade de produtos disponíveis no Sítio da Barra contribui para garantir a segurança alimentar e nutricional e ainda gera renda o ano todo. No quintal produtivo tem hortaliças, frutas, plantas medicinais e um espaço de experimentação, onde são plantadas sementeiras e mudas. A apicultura e a caprinovinocultura são as atividades que mais geram renda para a família. As atividades são realizadas de acordo com as práticas agroecológicas para convivência com o semiárido.

De acordo com Seu Cícero, a visão sobre a seca mudou ao participar da Escola de Formação de Lavradores, no Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada (IRPAA), no ano de 1997. Para a criação de abelhas, Cícero preserva a Caatinga, já replantou várias árvores nativas, entre elas baraúna, mandacaru, aroeira e angico. "Não é preciso desmatar ou tocar fogo para abrir novas áreas de roçado. Fogo aqui em casa agora só para acender o fogão”, conta. Todo material orgânico que “limpa” para abrir áreas de plantio vai esperando a decomposição natural. "Isto tem sido muito importante para manter seu solo saudável e com mais capacidade de armazenar água. Também serve de abrigo para alguns animais, como o tatu peba", afirma Cícero. 

De um intercâmbio na Paraíba, o agricultor trouxe sementes de gliricídea, que plantou em sua área, e dela já tirou madeira para fazer galinheiro. Atualmente possui mais de 3 mil pés de árvores de Leucena, Gliricídea e Sabiá, que possuem diversos usos, como madeira para ferramentas, mourões, florada para abelhas, alimentação animal e biomassa para o solo. Também possui plantio de maniçoba, camaratuba, sorgo forrageiro, palma e mandioca que servem aos animais e na fabricação de farinha. Cícero agrega ainda a função de pedreiro e vem construindo cisternas desde 1997. Foi numa dessas construções que, em 2001, no município de Casa Nova, conheceu o terreiro de raspa, um calçadão feito de cimento que serve para secar a raspa da mandioca, fazer feno e secar sementes. O terreiro, então, foi recplicado em seu quintal com recursos próprios. 

Dona Francisca, esposa de Cícero, é quem cuida do quintal e da criação de aves – patos, peru, galinhas de capoeira e Cocás. A família também sabe da importância de guardar sementes e, por isso, já tem um banco de sementes tanto do roçado como de hortaliças do quintal. Durante o intercâmbio, Cícero mostrou ainda o que aprendeu em capacitações com o preparar da silagem e do feno, prática de estocagem da alimentação animal para os períodos de estiagem. A conquista mais recente da família, foi o ingresso do filho mais novo, o Aílton, na Escola Família Agrícola de Sobradinho.

O intercâmbio foi marcado pela presença de mulheres e jovens que interagiram com a família de Seu Cícero, fazendo perguntas, pedindo sementes, levando mudas e renovando as esperanças em um futuro melhor. O manejo adequado dos recursos naturais, a diversidade de produtos e de atividades, o uso da criatividade para encontrar soluções de baixo custo, a disposição para experimentar as possibilidades, o estabelecimento de parcerias e a união da família em torno de um objetivo comum mostram que é possível desenvolver uma agricultura familiar sustentável. A experiência da família mostra que o diferencial é a buscou por formações, encontros com outros agricultores e agricultoras e parcerias com as organizações locais.

O intercâmbio foi uma atividade do Projeto de ATER Povos e Comunidades Tradicionais de Fundo de Pasto, executado pelo SASOP desde 2016, através de Chamada Pública da Secretária de Desenvolvimento Rural (SDR), Governo da Bahia.

Edição: Luciana Rios

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