Mudanças Climáticas e Agroecologia

“O que comemos e como adquirimos nossos alimentos tem impactos profundos na vida de bilhões de pessoas no planeta”

Por Luciana Rios

Desertificação de áreas semiáridas, escassez de água potável, enchentes e inundações, a drástica e crescente redução da biodiversidade, impacto na agricultura, pandemias. Pode parecer cenário de ficção científica, mas esses são apenas alguns dos impactos que já vem acontecendo em todo o planeta em decorrência das mudanças climáticas. 

Foto: Prefeitura de Diamantino (MT)

De acordo com relatório do IPCC (Painel Intergovernamental sobre a Mudança no Clima, da ONU), toda a aceleração no aquecimento global vem sendo causada pela ação humana.  Para se ter uma ideia da proporção, o relatório de 2021 mostra que o aquecimento do planeta chegou a 1,09º celsius  desde o período da Revolução Industrial e, desse índice, 1,07º celsius está diretamente relacionado à ação humana. “Mesmo estabilizando o aquecimento global em 1,5º celsius como estabelecido no Acordo de Paris, o mundo precisa se preparar para os eventos extremos. E, caso não se faça nada, a temperatura pode aumentar ainda mais, o que significa uma catástrofe”, explica Paulo Pedro de Carvalho, agrônomo, especialista em gestão ambiental e coordenador geral da ONG Caatinga. 

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Com o derretimento das geleiras e aumento do nível dos mares, cidades inteiras podem desaparecer. Por outro lado, quase 16% do território semiárido brasileiro estão suscetíveis à desertificação. Em exemplo disso, foi a estiagem que se deu entre 2012 e 2017, que teve uma proporção nunca vista antes. “Foi uma seca que matou plantas da caatinga, que nunca tinham sido vistas nessa condição antes. Esses são indicadores concretos que as famílias agricultoras camponesas já vivenciam na prática”, complementa Paulo Pedro.  

Dentre os principais causadores dessa crise climática estão o agronegócio, sobretudo, a pecuária, que têm modelos de produção baseados na monocultura, no desmatamento, na destruição da biodiversidade e na poluição e degradação das águas e dos solos. É uma agricultura muito dependente de insumos externos e de máquinas pesadas que causam muito impacto negativo à natureza, transformando terras férteis em verdadeiros desertos, com níveis graves de degradação dos solos. Essa agressão ao planeta não está dissociada da vida humana. Uma prova disso é o aumento do risco de pandemias, como a Covid-19. Especialistas já afirmam que novas doenças podem surgir, relacionadas diretamente às práticas agropecuárias danosas aos bens naturais, como sistemas confinamento intensivo de animais e desmatamento. Práticas cada vez mais distantes dos ciclos de vida da natureza. 

A crise no sistema agroalimentar se vê quando, no Brasil, contraditoriamente, o agronegócio celebra o aumento dos lucros e das exportações, enquanto a fome aumenta de forma assustadora no país. São quase 55% da população do país que se encontra em situação de insegurança alimentar, somando mais de 110 milhões de pessoas. No mundo, em 2019, cerca de 750 milhões ou quase uma em cada dez pessoas foram expostas a níveis graves de insegurança alimentar. Considerando o total de afetados pela insegurança alimentar moderada ou grave, estima-se que 2 bilhões de pessoas no mundo não tiveram acesso regular a alimentos seguros, nutritivos e suficientes em 2019. Além da fome, a obesidade também é reflexo da crise alimentar, gerando doenças associadas a essa comorbidade. Segundo a OMS, são 2,3 bilhões de pessoas nessa condição. “O que comemos e como adquirimos nossos alimentos tem profundos impactos na vida de bilhões de pessoas do planeta, tanto produtores como consumidores”, destaca Paulo Pedro. 

Agroecologia para enfrentar as mudanças climáticas

Foto Marcos Santos/Jornal da USP

Tomar medidas para mitigar esses efeitos têm sido um trabalho construído principalmente pelas organizações e movimentos sociais. Por meio da Agroecologia, diversas famílias agricultoras camponesas, envolvidas em dinâmicas de rede e assessoradas por ONGs, têm conseguido avançar com experiências concretas, capazes de preservar os agroecossistemas nos diferentes biomas brasileiros. 

As práticas agroecológicas valorizam a ação coletiva, os conhecimentos e saberes locais, o princípio de observação e o respeito à natureza. O acesso à água de qualidade e a preservação da agrobiodiversidade garantem autonomia e segurança alimentar e nutricional das famílias, que produzem seus próprios alimentos e criam seus animais, garantindo renda e autonomia econômica. Os sistemas agroflorestais recompõem a biodiversidade e diversificam a produção, preservando a fauna e a flora nativas. A resistência e a adaptação das sementes crioulas ao clima também é uma importante alternativa para garantir a soberania alimentar e, ao mesmo tempo, a conservação da biodiversidade local. “As famílias agricultoras camponesas lidam com a natureza e percebem os fenômenos e as mudanças do clima desde há muitos anos e tem muito a ensinar a partir de suas observações e experimentações na agricultura”, diz Paulo Pedro. 

Mas, para que a Agroecologia se fortaleça, é preciso ampliar a relação entre o campo e a cidade entendendo que um ambiente depende do outro. Paulo Pedro ressalta que a Agroecologia nos ensina a ter um pensamento amplo e completo, nos desafia a pensar o todo que é a vida no planeta. “São complexas relações que não podem ser tratadas isoladamente. É uma forma de viver e agir sobre o mundo, não é só forma de produzir. É também troca de informação e do conhecimento tradicional e ancestral, por exemplo sobre as plantas medicinais, sobre a valorização e visibilização do papel das mulheres e dos jovens enquanto sujeitos políticos”, diz. A Agroecologia promove valores como cooperação, solidariedade, compaixão, e, um exemplo disso, foram as redes de solidariedade formadas durante a pandemia, quando organizações do movimento agroecológico se mobilizaram para doar cestas alimentares e materiais de higiene e proteção para famílias em situação de vulnerabilidade social. “A Agroecologia é a única forma que a gente entende ser capaz de enfrentar as mudanças climáticas, produzindo alimentos saudáveis, defendendo o direito à vida digna nos territórios e em todo planeta ”, finaliza Paulo Pedro.  

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