Família mostra que qualidade de vida no Semiárido não é um sonho, é uma realidade

Família mostra que qualidade de vida no Semiárido não é um sonho, é uma realidade

 

Na comunidade Valentim, município de Pilão Arcado, Bahia, mora a família de Clarice Ribeiro Bastos Santos, 38, e Domingos Antônio dos Santos, 42 anos. O casal possui três filhos: Camila, de 15 anos, Karine, de 8 anos, e Danilo, com 5 anos de idade. Nascidos em Pilão Arcado, Clarice e Domingos se casaram em 1995. Logo depois, Clarice engravidou de um bebê com microcefalia e, para cuidar melhor da saúde, se mudaram para Brasília. A criança veio a falecer, mas o casal continuou em Brasília por cerca de 10 anos. Aos poucos, perceberam que a qualidade de vida na cidade grande era uma ilusão.

Morando na capital do Brasil, eles viviam para o trabalho. Não conseguiam ter tempo para a família, nem para o lazer. Danilo, o filho caçula, ainda não tinha nascido, mas as duas meninas ficavam a maior parte do tempo nas creches para que os pais pudessem trabalhar para pagar as despesas. Além disso, Karine, a filha do meio, desenvolveu processo alérgico, tendo frequentes problemas respiratórios. Foi aí que resolveram, em 2008, voltar para Pilão Arcado na esperança de recomeçar. Conseguiram guardar algumas economias e voltaram para a comunidade Valentim, com a intenção de viver do que produzissem na terra. Passaram um tempo morando com o pai de Domingos até que a casa e o terreno que haviam comprado estivessem prontos para morar.

A casa já tinha uma cisterna para consumo humano de 16 mil litros e dois cajueiros bem na frente que, até hoje, dão muita sombra e ar fresco. Após a mudança, começaram a plantação de frutas e verduras no quintal e a criação de animais. Plantaram mudas de laranja, graviola, acerola, abacate, mexerica, seriguela, caju, umbu, banana, goiaba, manga e jabuticaba. Na propriedade tem a área do quintal, onde plantam fruteiras diversas, verduras e hortaliças; um espaço para as criações de galinha, caprinos e porcos, e um roçado, onde cultivam mandioca, milho, feijão, palma, melancia, maxixe, plantas forrageiras e uma área de caatinga preser- v

ada. O sistema produtivo da família é interligado. Aproveitam o esterco dos animais para adubar as plantas e delas tiram o sustento da família e da criações. A ração dos animais é feita por eles, a partir de plantas do roçado. A gestão da água feita pela família é um exemplo. Em época de estiagem, conseguem manter a água da cisterna por até 10 meses. Priorizam a água da cisterna de consumo humano para beber e cozinhar. Para as demais necessidades,

buscam outras fontes como a água do poço.

Tudo o que produzem é para o consumo da família. Apenas quando há excedente na produção é que vendem na própria comunidade. Banana e manga, segundo Clarice, sempre dá bastante e aí vendem para não perder. Clarice explica que só vende algum alimento ou animal se for para comprar outro melhor. “Melhor ter para comer do que vender e ter que comprar fora o que não se sabe o que está comendo”, reforça a agricultora.

Ela diz que tem todo tipo de fruta o ano todo, mesmo as que não estão na época da safra. Isso porque aprendeu a processar e beneficiar as frutas e também congelar, já que a família conseguiu comprar um freezer que ajuda a conservar os alimentos que produz. Para conservar o umbu, Clarice cozinha sem água, sem nada, e guarda em garrafas tampa- das. Pode ficar fora da geladeira que não estraga. Dali faz a umbuzada que a família toma todos os dias pela manhã, além dos doces e sobremesas.

Karine diz que não quer voltar à Brasília nem a passeio. Conta que agora não fica mais presa em casa e pode correr pelo quintal, colher as frutas do pé quando sentir fome e tudo pode virar brincadeira.

A mudança de local, de clima e de vida melhorou as alergias de Karine e, quando vão visitar parentes em Brasília, as duas meninas acabam ficando gripadas. Karine e Danilo estudam pela manhã. Camila e a mãe, à noite. A agricultora conta que voltou a estudar quando viu os filhos aprendendo coisas que ela ainda não sabia e que só poderia ajudá-los nos estudos se os acompanhasse no aprendizado. Foi assim que se matriculou no turno da noite e estuda na mesma escola que a filha mais velha. Para variar a merenda dos filhos, Clarice faz bolos e pães caseiros assados na brasa e reafirma “para que vou pegar lá fora se posso ter tudo feito aqui?”. A renda dos benefícios sociais, como Bolsa Família serviram para investir na propriedade, na criação de animais ou complementar a alimentação com algo que ainda não conseguem produzir em casa.

Em 2013, começaram a criar abelhas e já conseguem tirar um pouco de mel para o próprio consumo. Não usam veneno na plantação. Sabem que faz mal a saúde e que não precisam matar os insetos e outros animais. Basta utilizar métodos naturais para afastá-los e manter a diversificação de culturas. Para Domingos, se 50% da população tivesse iniciativa e acreditasse em si, todos viveriam bem melhor do que vivem hoje. “Muitos não querem fazer nada durante a estiagem, querem ir embora, trabalhar em outras terras e ainda chamam a gente de louco porque insistimos em ficar e cuidar do que é nosso. A gente não desiste”, alerta o agricultor.

A família tem acompanhamento de agentes de saúde comunitários e considera muito importante a partici- pação em momentos coletivos, como reuniões e formações promovidas pelos sindicados e pelas organi- zações locais, como o SASOP. No espaço familiar, as decisões são tomadas conjuntamente. “O nosso desejo era que os vizinhos também fizessem o que fazemos e acreditassem no que fazemos. Alguns tentam nos desanimar, mas quando veem o resultado de nossos esforços todos querem também”, diz Clarice que ainda deixa como recado que a autonomia e segurança alimen- tar vem da luta e da persistência. “Tenham fé porque a vitória só vem da luta”, conclui.

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