OFICINA I Criação de galinha na agricultura familiar é foco de oficina de formação para comunidades de Fundo de Pasto

OFICINA I Criação de galinha na agricultura familiar é foco de oficina de formação para comunidades de Fundo de Pasto

 

Por Diego Souza/SASOP (texto e fotos)

A criação de galinhas é uma atividade que faz parte da cultura das comunidades rurais há muitos anos e vêm sendo passada de geração em geração. Segundo dados do Censo Agropecuário de 2006 (IBGE), a agricultura familiar é responsável pela produção de 50% das aves de todo País. Além de produzirem de forma expressiva e para o abastecimento local, são também as famílias agricultoras que conservam raças crioulas, a exemplo da Pedres ou Carijó e da Peri ou Pescoço Pelado, além de várias outras. 

Com o objetivo de estimular as criadoras e criadores a produzirem sua própria ração, o SASOP tem realizado oficinas de formação sobre Criação de Galinhas em comunidades de fundos e fechos de pasto. Só neste mês de março, três atividades foram realizadas nas comunidades Negros, Salinas Grande e Desterro, município de Remanso (BA), abordando também questões relacionadas às instalações para aves, a reprodução e as formas de se organizar para comercializar os produtos.

Este tipo de criação da agricultura familiar difere das raças e variedades comerciais, modificadas em laboratórios e criadas em granja em sistema de confinamento, no qual a ave cresce e engorda rapidamente, com uma dieta à base de milho e soja. Essas aves vivem 40 dias numa gaiola, praticamente sem andar, apenas comendo e recebendo iluminação artificial. Há ainda o agravante das enfermidades que acometem os animais e que  demandam uso de antibióticos e produtos químicos. Nos sistemas de criação de capoeira ou caipira, realizado pela agricultura familiar, os animais podem expressar seu comportamento natural de ciscar, entrar em choco, subir em árvores e ter alimentação variada. 

Atualmente, o grande desafio na criação de galinhas de capoeira é o aproveitamento do que se têm na roça para produzir uma ração balanceada, que atenda as exigências nutricionais das aves e, assim ,diminuir custos de produção, obtendo uma criação ainda mais saudável. É preciso que se evite a lógica do mercado e das granjas onde são compradas rações produzidas a base de soja e milho transgênico, caras e pouco acessíveis. 

A receita foi preparada nas oficinas a partir de ingredientes das próprias comunidades. A ração contém fontes alternativas de alimentos que fornecem, proteínas, energia, vitaminas, gordura e minerais, contendo também estimulantes e antibióticos, tudo natural. Durante a atividade, foi ressaltada a importância de balancear a ração de acordo cada fase de vida das aves, pois as exigências nutricionais são diferentes. Entre os ingredientes principais, estão o farelo de mandioca, farelo de leucena ou gliricídea, flores de canafístula, farelo de milho, gergelim, sorgo, imburana de cheiro e casca de ovos, todos desidratados e passados na forrageira.

A criação de galinhas é um trabalho que fortalece a segurança alimentar das famílias e gera renda, sendo as mulheres do campo, principais responsáveis pela organização da atividade nas unidades produtivas. Toda a população deveria conhecer os males que trazem ao consumir os animais ou ovos vindos de granja e passar a valorizar mais os produtos da Agricultura Familiar, agregando valor e inserindo-os nos principais meios de comercialização, pois, apesar de existir o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), ainda são utilizados ovos de granja nas refeições das escolas públicas e creches, tanto da cidade quanto do campo.

Comunidades de Fundos de Pasto – As comunidades que participaram das oficinas – Negros, Salinas Grande e Desterro – são comunidades tradicionais de Fundos de Fechos de Pasto, povoadas há muitas décadas pelas famílias. Os povos de fundos de pasto possuem uma característica fundamental no seu modo de vida. Vivem em áreas tradicionalmente utilizadas como espaços de produção individual e coletiva, com roçados cercados, e tem como principal atividade a caprinovinocultura, com os animais criados soltos em pastagens naturais. Nestas áreas, há grande interação com o bioma Caatinga, de onde as famílias também tiram o seu sustento e os meios de sobrevivência, com a criação de abelhas, extrativismo do umbu e maracujá nativo. Trazem consigo a herança cultural de populações indígenas, africanas e camponesas que foram permanecendo ao longo do tempo nesses territórios, enraizando seus modos de vida.

Nessas comunidades há uma diversidade de práticas e saberes, como o uso de plantas medicinais, as rezadeiras e benzedeiras, e as manifestações religiosas e culturais (reisados, festas juninas da roça, samba de roda, São Gonçalo, vaquejadas, as farinhadas, São José, forró pé de serra, etc). Também possuem alto grau de parentesco e compadrio. Cada comunidade possui uma história própria de construção e luta. No entanto, essas populações sofrem muitas ameaças e tem enfrentado a violência por parte de grupos poderosos de grileiros, carvoeiros e fazendeiros, além da chegada de grandes projetos de mineração, energia eólica e do próprio agronegócio em seus territórios, gerando inúmeros conflitos por terra.

A luta dos povos de fundos de pasto reivindica a regularização fundiária destas terras, por parte do poder público, para assegurar o direito à terra e território de cada comunidade e de seus povos originários. Outra luta é o acesso à educação no campo de qualidade, que valorize esse jeito de viver no sertão. Esta luta não é só das comunidades, mas de toda sociedade. Ainda na mesma pesquisa do IBGE (Censo Agropecuário 2006), dados demonstram que apesar de ocupar 84,4% do total de estabelecimentos rurais, a agricultura familiar ocupa apenas 24,3 das áreas de terras. Já os estabelecimentos não familiares que representam o agronegócio e empresas possuem 15,6% dos estabelecimentos, mas ocupam uma área de 75,7% das terras ocupadas, para com produções de gado, milho, soja, algodão e eucalipto. Os investimentos também são desiguais quando se compara os 84% dos investimentos governamentais direcionados para o agronegócio diante de 14% para agricultura familiar. Vale ressaltar a conquista das comunidades junto ao poder público estadual, com a realização das chamadas públicas para assessoria técnica e extensão rural direcionadas às comunidades tradicionais de fundo de pasto, que vem sendo executadas desde 2016.

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