Mulheres de Dandara: exemplo de empoderamento, autonomia e organização (2014)

lMulheres de Dandara na Luta pelos seus Direitos. É assim que se intitula o grupo, formado por cinco mulheres, que desde 1999 desenvolve experiências agroecológicas numa roça comunitária, localizada no Assentamento Dandara dos Palmares, município de Camamu​​, no Baixo Sul da Bahia

A história do grupo e da roça coletiva começou quando Maria Andrelice dos Santos, agricultora e integrante do grupo das mulheres, que na época atuava como líder pela Pastoral da Criança, teve a ideia de produzir alimentos para as crianças que sofriam com a desnutrição, diarreia e outras doenças. Del, como é conhecida na comunidade, lembra que no início, em 1997, as famílias assentadas passaram momentos muito difíceis devido à falta de alimentos e as crianças eram as que mais sofriam. Foi então que a agricultora, junto a outras vinte mulheres, solicitou à Associação Comunitária um lote de quatro hectares. A doação da área foi aprovada e em 1999 o grupo das mulheres começou a produção.

Com o apoio de algumas entidades, como o SASOP e a Pastoral da Criança, o local que era antes uma fazenda de cultivo de cacau e, por ser monocultura, não havia o que comer, passou a ter uma grande diversidade de plantas, como mandioca, cupuaçu, banana da terra, café, feijão, batata doce, gergelim, milho, abacaxi, urucum, entre outras. As entidades assessoraram na produção do viveiro de mudas de frutíferas, no manejo agroecológico e na gestão de um Fundo Rotativo Solidário para compra de insumos, sementes e ferramentas. Em seguida, o grupo deu início ao trabalho em mutirões que, segundo as agricultoras, vem desde o tempo em que moravam na Pimenteira.

Marilene conta que o trabalho é grande, mas que vale a pena. A agricultora diz que já tiraram muito lucro com a mandioca. Muita coisa foi desperdiçada por falta de transporte para levar os produtos. Hoje, trabalham uma vez na semana. Quando precisam fazer colheita, vão duas vezes, na segunda e na quinta.

A ideia de ter uma Roça Agroecológica surgiu de Del, que queria um espaço para plantar sem queimar ou usar agrotóxico. O grupo implantou o roçado com o manejo agroflorestal regenerativo, já que se trata de uma região rica em biodiversidade da Mata Atlântica. De início, houve certa resistência por parte de algumas mulheres do grupo por não conhecerem esse tipo de manejo, mas as primeiras experimentações mostraram que era o melhor. O mato era roçado e o solo protegido por plantas nativas. O maior desafio inicial, no entanto, foi convencer as companheiras a não usar veneno para o controle de formigas e adotar no lugar a comigo-ninguém-pode (Dieffenbachia Picta Schott), o rouxinho (Euphorbia Cotinifolia) e a manipueira (água extraída da mandioca).

O descrédito dos homens da comunidade também foi um marco do momento inicial. Havia o desrespeito às mulheres e à opção de manejo que elas tinham escolhido, o manejo agroecológico. Além de dificultar a experimentação das práticas agroecológicas no assentamento, a atitude foi considerada uma violência contra as mulheres. Hoje, como conta Marilene, os maridos já aceitam e gostam da ideia. A agricultora diz que sempre o marido ajuda quando tem muito serviço.

Em 2004, a comunidade deu início aos trabalhos com produção de alimentos nos quintais, criação de pequenos animais, resgate das plantas medicinais e dos remédios caseiros e com reeducação alimentar. A roça provocou uma dinâmica na comunidade em torno da construção e resgate do conhecimento sobre essas diversas questões e criou um ambiente favorável ao empoderamento das mulheres, que trocavam experiências nos intercâmbios em torno da temática de segurança alimentar e nutricional.

O grupo já se tornou referência no trabalho de gênero, agroecologia, segurança alimentar e nutricional, geração de renda e autonomia das mulheres. Através do Grupo de Trabalho Mulheres, Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), a experiência da roça agroecológica foi sistematizada e, junto com outras experiências nacionais, publicada na Revista Agriculturas – experiências em agroecologia, elaborada pela AS-PTA Agricultura Familiar e Agroecologia. “Uma universidade do Canadá me convidou para ir falar sobre segurança alimentar e mulheres. Disseram que tinham acessado o site do SASOP e olhando as coisas lá, conseguiram meu e-mail. Ia acontecer um Congresso na universidade e eles queriam que eu falasse sobre agricultura alternativa” conta Del. Para o grupo, isso mostra o quanto é importante o trabalho realizado pelas Mulheres da Dandara e o como tem sido reconhecido até fora do país.

A geração e a gestão da renda têm sido uma questão central nas preocupações das mulheres do grupo. A entrada de novas integrantes no grupo da roça tem ajudado a dinamizar a produção e a estimular as iniciativas de beneficiamento e de comercialização que estão sob o domínio exclusivo das mulheres. Apesar de ainda haver dificuldades com a situação da estrada, os produtos vêm sendo comercializados na Feira Agroecológica de Camamu e vendidos para o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA).

Hoje, não só as mulheres da roça, mas as outras famílias do assentamento trabalham com a produção de alimentos, plantas medicinais e criação de pequenos animais em seus quintais. “A roça é uma experimentação que alimenta a todo mundo, os que moram na roça, aos que vem visitar ou fazer intercâmbio. Ela tem um viés organizativo muito mais forte que o produtivo. Aqui vocês tem autonomia de dizer o que vai fazer, de decidir, aqui vocês implementam da forma que vocês quiserem. Tem liberdade de gestão” finaliza Del.

Para o futuro as Mulheres da Dandara tem o desejo de fortalecer o trabalho que já fazem e não deixar que ele se perca com o tempo.

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